segunda-feira, 5 de julho de 2010

O pastor de Ovelhas

Em todas as sociedades, em algum momento, a casta dos sacerdotes e a dos guerreiros se confrontam ciumentamente, e não entram em acordo quanto as suas estimativas. Os valores dos guerreiros têm como pressuposto uma constituição física poderosa, uma saúde florescente, rica, juntamente com aquilo que serve a sua conservação: guerra, aventura, caça, dança e tudo que envolve uma atividade robusta, livre e contente.

Já os valores sacerdotais têm outros pressupostos: para ele a guerra é mau negocio! Os sacerdotes são, como sabemos, os mais terríveis inimigos, por quê? Por que são os mais impotentes. Na sua impotência, o ódio toma proporções monstruosas, torna-se a coisa mais espiritual e venenosa que existe. Mantendo hábitos hostis à ação, em parte meditabundos, em parte explosivos sentimentalmente, cujas sequelas parecem ser debilidade intestinal e a neurastenia quase que fatalmente inerentes aos sacerdotes de todos os tempos!!

Mas o que foi inventado por eles mesmos como remédio para essa debilidade? A própria humanidade sofre ainda dessa “cura” sacerdotal!! Lembremos, por exemplo, o jejum, a continência sexual, junte-se a isso, a metafísica anti-sensualista dos sacerdotes, apta a fabricar indolentes e refinados, a sua auto-hipnose(leia-se oração) e por fim o muito compreensível enfado geral com sua cura radical- o nada- ou deus como queiram!!!

Com os sacerdotes, tudo se torna mais perigoso, não apenas meios de cura, mas também altivez, vingança, perspicácia, dissolução, amor, sede de domínio, virtude, doença, a partir disso, a alma humana foi “criada” pelos valores sacerdotais e pior que criada, tornou-se má. E é esta a única forma fundamental da superioridade até agora tida pelo homem sobre as outras bestas....

A Ovelha em si

Como transformar uma ave de rapina, que faz do seu instinto de liberdade, sua fonte de prazer, um animal de rebanho? Inibindo-o, amansando-o, afastando-o da “vida selvagem” a propagada “doutrina da paz”. Esse animal, que podemos chamar também de homem. Esse mesmo homem que, por falta de inimigos, e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu, maltratou a si mesmo, esse animal que querem “amansar”, que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa mata, esse tolo, esse prisioneiro presa da ância e do desespero tornou-se o inventor da “má-consciência”.

Vejo a má-consciência como a profunda doença que o homem teve de contrair sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu – a mudança que sobreveio quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da paz. O mesmo que deve ter se sucedido aos animais aquáticos, quando foram obrigados a tornarem-se animais terrestres ou perecer. A partir de então deveriam andar com os pés, e carregar a si mesmos, quando antes eram levados pelas águas. Subitamente seus instintos ficaram sem valor, para as funções mais simples, sentiam-se canhestros, nesse novo mundo não mais possuíam os seus velhos guias, os impulsos reguladores, e incoscientemente certeiros. Estavam reduzidos, os infelizes, a pensar, inferir, calcular, combinar causas e efeitos, reduzidos a sua consciência, ao seu órgão mais frágil e falível!

Acontece que os “velhos instintos” não cessaram repentinamente de fazer suas exigências! Mas era difícil, raramente possível, lhes dar satisfação: tiveram de buscar gratificações novas e digamos subterrâneas. Todos os instintos, que não se descarregam para fora, voltam-se para dentro, é a interiorização do homem, é assim que no homem cresce o que depois se denomina alma.

Todo o mundo interior, originalmente delgado, como que entre duas membranas, foi se expandindo e se estendendo, adquirindo profundidade, largura e altura, na medida em que o homem foi inibido em sua descarga para fora. O mundo que era antes exterior, teve de ser comprimido dentro do homem, e que a meu ver não teria como suportar...

Perpetuando a Espécie

Consideremos com que regularidade, com que universalidade, como em quase todos os tempos aparece o sacerdote (ou feiticeiro, ou adivinho, ou homem religioso como preferirem). Ele não pertence a nenhuma raça determinada; floresce em toda parte, brota em todas as classes. Não que ele cultive e propague seu modo de valoração através de heranças: ocorre justamente o contrario, em geral, um profundo instinto lhe proíbe a procriação - veneram a castidade -. Deve ser uma necessidade de primeira ordem, a que faz crescer e medrar essa espécie hostil a vida, essa espécie contraditória que ao pregar a castidade, está pregando a não-vida!!!

O “ideal de vida proposto pelos sacerdotes” (alguns já expostos em posts anteriores) é em si uma contradição. Aqui domina um ressentimento ímpar, busca-se satisfação no malogro, na desventura, no fenecimento, no feio, na perda voluntaria, na negação de si, autoflagelação e auto-sacrifício.

Os sacerdotes tratam a vida como um erro, ou melhor, uma “preparação” para a outra vida. A “imposição” desta concepção errônea da vida tem uma explicação evidente. Eles (os sacerdotes) têm nesse ideal, não apenas sua fé, mas também sua vontade, seu poder, seu interesse, seu direito a existência. Sua existência social se sustenta ou cai com esse ideal.

Mas para de alguma maneira poder existir, ele tinha de crer nele, para então poder representá-lo. Onde foi buscar inspiração essa antinatureza, essa contradição sacerdotal? Naquilo que é experimentado de modo mais seguro como verdadeiro, como real: apontará o erro precisamente ali onde o autêntico instinto de vida situa incondicionalmente a verdade. Rebaixando o corpo a uma ilusão, assim como a dor, a multiplicidade, toda oposição conceitual de “sujeito” e “objeto” – erros, nada senão erros!!!Recusar a crença em seu EU, negar a si mesmo sua realidade. Em nome do Paraíso...