segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Ovelha em si

Como transformar uma ave de rapina, que faz do seu instinto de liberdade, sua fonte de prazer, um animal de rebanho? Inibindo-o, amansando-o, afastando-o da “vida selvagem” a propagada “doutrina da paz”. Esse animal, que podemos chamar também de homem. Esse mesmo homem que, por falta de inimigos, e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu, maltratou a si mesmo, esse animal que querem “amansar”, que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa mata, esse tolo, esse prisioneiro presa da ância e do desespero tornou-se o inventor da “má-consciência”.

Vejo a má-consciência como a profunda doença que o homem teve de contrair sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu – a mudança que sobreveio quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da paz. O mesmo que deve ter se sucedido aos animais aquáticos, quando foram obrigados a tornarem-se animais terrestres ou perecer. A partir de então deveriam andar com os pés, e carregar a si mesmos, quando antes eram levados pelas águas. Subitamente seus instintos ficaram sem valor, para as funções mais simples, sentiam-se canhestros, nesse novo mundo não mais possuíam os seus velhos guias, os impulsos reguladores, e incoscientemente certeiros. Estavam reduzidos, os infelizes, a pensar, inferir, calcular, combinar causas e efeitos, reduzidos a sua consciência, ao seu órgão mais frágil e falível!

Acontece que os “velhos instintos” não cessaram repentinamente de fazer suas exigências! Mas era difícil, raramente possível, lhes dar satisfação: tiveram de buscar gratificações novas e digamos subterrâneas. Todos os instintos, que não se descarregam para fora, voltam-se para dentro, é a interiorização do homem, é assim que no homem cresce o que depois se denomina alma.

Todo o mundo interior, originalmente delgado, como que entre duas membranas, foi se expandindo e se estendendo, adquirindo profundidade, largura e altura, na medida em que o homem foi inibido em sua descarga para fora. O mundo que era antes exterior, teve de ser comprimido dentro do homem, e que a meu ver não teria como suportar...

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